
VersÔes de um Crime
Quando um adolescente Ă© acusado de assassinar o pai rico, um advogado (Keanu Reeves) Ă© encarregado de defendĂȘ-lo no tribunal e revelar a verdade por trĂĄs do crime. Ă medida que investiga, descobre que a mĂŁe do garoto (RenĂ©e Zellweger) estĂĄ ocultando diversos fatos essenciais ao caso.
Ă primeira vista, este parece ser um suspense jurĂdico comum: ele começa com um crime, se desenvolve quase inteiramente dentro do tribunal e fornece pistas falsas atĂ© a revelação da verdade. O roteiro toma o cuidado de sugerir diferentes versĂ”es e propor bifurcaçÔes no julgamento, oferecendo ao espectador o prazer de construir suas prĂłprias hipĂłteses. O filme constitui, de fato, um simples jogo de adivinhação. Para os aficionados de surpresas no final, a histĂłria reserva uma reviravolta para sabotar as suposiçÔes do pĂșblico.
Em termos estruturais, VersĂ”es de um Crime cumpre o que promete, sem apresentar ambiçÔes estĂ©ticas ou narrativas. Na trama, um adolescente (Gabriel Basso) Ă© acusado de matar o pai agressivo (Jim Belushi) para proteger a mĂŁe (RenĂ©e Zellweger). O brilhante advogado Ramsey (Keanu Reeves), amigo prĂłximo da famĂlia, Ă© encarregado de defender o garoto. A diretora Courtney Hunt acompanha os personagens com enquadramentos acadĂȘmicos, fechando a imagem nos rostos ou ampliando-a para revelar um olhar suspeito no fundo do enquadramento. Violinos tensos reforçam momentos de agressĂŁo, nos quais personagens tipificados â o marido canalha, o filho tĂmido, a esposa submissa â sĂŁo apresentados ao espectador.
O elemento diferencial deste projeto Ă© a sua relação com o espectador. Suspenses sĂŁo baseados no desequilĂbrio de informaçÔes: ora o espectador conhece algo que os personagens desconhecem, ora os personagens detĂȘm um conhecimento alheio ao pĂșblico. No entanto, VersĂ”es de um Crime nĂŁo consegue guardar segredo, nem trabalhar com dubiedades por muito tempo: enquanto o julgamento se desenvolve, Ramsey explica em voz off tudo o que estĂĄ pensando, o que deve acontecer em seguida e os possĂveis contra-ataques do adversĂĄrios. As suposiçÔes sĂŁo confirmadas em seguida. Enquanto isso, sucessivos flashbacks explicam o que realmente aconteceu.
Hunt oferece informaçÔes preciosas ao espectador, gratuitamente, estragando parte do prazer de adivinhação. Esta decisĂŁo seria corajosa caso retirasse do gĂȘnero o jogo de pistas falsas, para transformar o dilema do adolescente num drama ao invĂ©s de um suspense. Mas o terço decisivo, com sua reviravolta mirabolante, confirma a vontade de pegar o pĂșblico desprevenido. Para aqueles acostumados Ă s investigaçÔes espetaculares de C.S.I., Law and Order e derivados, a investigação pode soar simplĂłria. Esqueça DNA, fios de cabelo, impressĂ”es digitais, diferentes leituras da cena do crime, investigaçÔes sobre cronologias e a presença de testemunhas. O roteiro verborrĂĄgico reserva a sua energia Ă tese de que todos mentem, desde os rĂ©us aos advogados e testemunhas. Hunt acredita que esta concepção basta para manter o interesse do pĂșblico, mas a proposta da mentira inerente ao ser humano soa como lugar-comum.
VersĂ”es de um Crime revela-se monĂłtono demais perto da maioria dos suspenses de tribunal. Pouco importa o esforço de Keanu Reeves, RenĂ© Zellweger ou Gugu Mbatha-Raw â esta Ășltima, excelente como sempre, ainda que subaproveitada. Os personagens se resumem a peças de um jogo de xadrez previsĂvel: vocĂȘ pode nĂŁo saber exatamente qual Ă© a reviravolta final, mas sabe que ela vem, e quando vem. VocĂȘ sabe que tal acusado nĂŁo Ă© autor do crime, e que tal pessoa esconde segredos, atĂ© porque o narrador e os flashbacks estĂŁo nos contando exatamente isso. Talvez a diretora tenha procurado fazer um filme simples, modesto, Ă moda antiga, focado no drama humano ao invĂ©s da tensĂŁo e da batalha jurĂdica. Mas para esta premissa funcionar, seriam necessĂĄrios personagens mais complexos do que estes.