
Radioactive
A história das paixões cientÃficas e românticas de Marie (Rosamund Pike) e Pierre Curie (Sam Riley), assim como as reverberações de suas descobertas no século 20.
Não há, dentre os diretores, quem goste mais de uma graphic novel que Marjane Satrapi. Afinal de contas, em seu breve currÃculo já constam adaptações de três histórias neste formato, duas delas de sua autoria, Persépolis e Frango com Ameixas. Em Radioativo, Satrapi bebe da fonte histórica para relembrar a vida de Marie e Pierre Curie, casal de cientistas que revolucionou a quÃmica pouco antes da virada para o século XX, ao desvendar os poderes do urânio de forma a revelar a radioatividade.
Antes de esmiuçar o filme em si, é importante ressaltar que Radioativo é mais uma de várias cinebiografias que têm sido lançadas nos últimos anos, mais por motivos econômicos do que propriamente de reverência aos seus feitos. Em tempos onde os estúdios cada vez mais buscam segurança aonde investir seu dinheiro, apostar em nomes conhecidos do grande público tem surgido como uma válvula de escape em busca de alguma autoralidade. Mesmo quando os escolhidos possuem uma vida sem grandes feitos além do cientÃfico, como acontece neste filme.
Por mais que tenham feito uma descoberta que revoluciou o mundo moderno, não há na história de vida dos Curie material suficiente para desenvolver um longa-metragem. Se o viés feminista chega a ser óbvio, pela contÃnua necessidade de comprovação de seu talento em uma sociedade ainda mais machista que a atual, a relação entre Marie e Pierre é absolutamente natural, se baseando no respeito e admiração mútuos. A única desavença plausÃvel de destaque é muito mais em relação à sociedade da época do que propriamente ao casal, quando apenas Pierre foi premiado com o Nobel pela descoberta da radioatividade. E só.
Tendo consciência desta questão, Satrapi busca alternar o cotidiano dos Curie com as consequências de sua descoberta maior, inserindo estranhÃssimos vislumbres de como a radioatividade será empregada no futuro, para o bem e para o mal. Tais inserções soam desconexas dentro da narrativa como um todo, pelos saltos abruptos que provoca ao ir e voltar décadas adiante, com personagens que sequer foram (ou serão) trabalhados a seguir. Funciona mais como um lembrete, quase professoral, sobre a importância do feito aqui registrado, além da óbvia necessidade em ocupar espaço em uma história de vida que não é tão interessante assim.
Soma-se a isso algumas questões estéticas bem duvidosas encampadas pela diretora. Da óbvia metáfora da luminosidade por todos os lados assim que os Curie se casam, contrastando com a Paris sempre escura exibida até então, o filme ainda entrega momentos de uma pieguice impressionante, como a chama de uma lareira ao fundo quando ambos se deitam ou, pior ainda, com a sombra do casal se agarrando deixando a cama rumo ao céu. Satrapi também demonstra um encanto especial pela luminosidade intrÃnseca à radioatividade, explorando seu brilho sempre que possÃvel, seja no pequeno frasco que acompanha Marie ou na simples vestimenta de uma dançarina. É como se tal beleza tentasse desviar os muitos problemas estruturais que o filme apresenta.
Diante de tantos equÃvocos, Rosamund Pike faz o que pode para compor uma Marie Curie ao menos crÃvel, enquanto Sam Riley surge bastante apático. Radioativo ainda vai um pouco além da vida dos Curie como casal, refletindo de leve sobre o peso embutido sobre a mulher em ser um exemplo para a sociedade, mas o interesse maior de Satrapi é mesmo em destacar obviedades de um futuro tão bem conhecido. Pena.