
PéPequeno
Um Yeti, criatura conhecida como o Abominável Homem das Neves, está indo na contramão do que todos os seus semelhantes acreditam: ele tem a certeza que os seres humanos, para eles até então um mito, realmente existem, mesmo que todos da sua espécie neguem com veemência. Mas ele não irá desistir tão fácil de provar sua tese.
Fora os visuais estonteantes e personagens carismáticos, por muitas vezes as animações infantojuvenis trazem consigo análises ou até mesmo crÃticas com relação a nossa sociedade. Diferentes roupagens, épocas ou até mesmo universos não são nenhum obstáculo quando há a possibilidade de dialogar com o público e abrir sua mente. PéPequeno é mais um exemplo de que o entretenimento pode ser tratado com seriedade até mesmo no local mais inusitado; neste caso, no Himalaia.
Ultrapassando padrões estipulados em animações, o longa aproveita elementos já bem conhecidos como a trilha-sonora e as piadas entre personagens para tornar a história mais leve e divertida, mas ao mesmo tempo não se afasta da possibilidade de registrar uma sobriedade bem-vinda, especialmente pela temática entrelaçada à trama do protagonista Migo: o medo e o preconceito.
Alterando a lenda do Pé Grande e transformando os yetis em uma sociedade tão racional quanto a nossa, PéPequeno troca as perspectivas e torna os humanos as criaturas “abomináveis”. Na cultura deles, nós que somos uma lenda e há uma grande tensão quando o assunto vem à tona. Porém, quando Migo vê um acidente de avião e, por consequência, um homem, toda sua visão do mundo (e de si mesmo) muda. A partir daÃ, a interação com os “pé pequenos” é mais do que necessária para ajudar sua famÃlia e amigos a expandirem suas perspectivas e também a se conhecerem melhor. As semelhanças com a sociedade atual tornam-se evidentes quando o diálogo de conhecer e entender algo “novo” é um problema, transformando em ódio aquilo que deveria ser uma possibilidade de crescimento.
Há outros pequenos grandes elementos contidos na narrativa. O fato das lÃnguas dos yetis e dos humanos se divergirem não impede que ambos consigam se entender. São nesses momentos cômicos e aparentemente leves que fica a reflexão: é possÃvel haver a interpretação correta mesmo falando e agindo de modos diferentes. Com o passar do tempo, a ideia de ambos os lados acharem que estão diante de um monstro é esquecida, e as relações interpessoais vão progredindo, assim como os aprendizados sobre passado e presente.
O visual de PéPequeno é tão rico quanto a dimensão do enredo. Detalhes do ambiente em que os yetis vivem dificilmente passam despercebidos, e as cores, mescladas entre o azul e o roxo, transmitem a leveza e pureza do alto das montanhas, ao mesmo tempo em que a mistura de cores e uma maior informação em tela seja utilizada para ambientar os cenários dos homens.
O medo é o alimento de conflitos mais graves, especialmente quando o diálogo se faz ausente. PéPequeno mostra que a visão mais receptiva para o novo pode trazer surpresas agradáveis, que somam algo em nossas realidades. Adicionalmente, a animação também deixa uma lição para a vida (e de forma lúdica às crianças): o preconceito só existirá enquanto a percepção ao diferente for limitada. Assim como com os yetis, não adianta viver no topo do mundo e não enxergar o horizonte. Às vezes, devemos olhar para os lados – ou até mesmo para baixo.