
Maria e João: O Conto das Bruxas
Há muito tempo, em um campo distante, Maria (Sophia Lillis) leva seu irmãozinho João (Sammy Leakey) a um bosque escuro, em uma busca desesperada por comida e trabalho. Quando eles encontram Holda (Alice Krige), uma misteriosa mulher que reside na floresta, os dois irmãos descobrem que nem todo conto de fadas termina bem.
Optar por uma nova versão de um conto de clássico da literatura, João e Maria, poderia ser um tiro no pé devido à extensão da fama desta narrativa. Todo mundo conhece a história, mas em Maria e João uma inversão que se justifica muito bem desde o princípio, não se limitando somente à mudança do título. Ao dar espaço para Maria, inclusive com poderes sobrenaturais, o filme adentra uma atmosfera ainda mais sombria do que aquela que sempre foi encontrada na casa da bruxa que atrai crianças para sua casa a fim de transformá-las em refeição.
O diretor Oz Perkins (filho de Anthony Perkins) revitaliza o conto dando espaço à personagem de Sophia Lillis de uma forma inesperada, mas não menos orgânica. É dela que vem a necessidade de percorrer a floresta sombria com seu irmão, pois a mãe, viúva, exige de Maria responsabilidades precoces e extremamente incômodas (como a de trabalhar na casa de um homem mais velho que apenas a vê como brinquedo sexual). São poucas as cenas que demonstram a dificuldade enfrentada por uma menina que busca se conhecer melhor como qualquer outra, mas tudo é bem delineado de modo a deixar clara as possíveis ramificações da jornada da protagonista.
Para garantir o clima de tensão e mistério, que quase nunca saem da tela, Perkins conta com o notável trabalho do diretor de fotografia Galo Olivares. Não que o roteiro não seja bom o suficiente, mas o que mais se destaca em Maria e João é justamente o visual impecável. Os ambientes de cores frias – seja na casa ou na floresta – e as formas triangulares que cercam o local escuro se unem à planos diferenciados, incluindo o uso de câmera grande angular e planos subjetivos que fortalecem as descobertas de Maria acerca da senhora que acolheu ela e seu irmão.
Curiosamente, é na extensão do conto que estão os elementos mais fantasiosos do filme. Maria e João vai inserindo as informações aos poucos ao espectador, apesar de nada ali ser exatamente tão abrupto. O olhar é sempre o da protagonista, o que facilita a imersão por estarmos acompanhando as viradas narrativa ao mesmo tempo que Maria. Assim, com a magia e os horizontes providenciados por Holda (Alice Krige), a menina finalmente conhece a sensação de pertencimento.
Tal sensação e os desdobramentos que isso acarreta formam o verdadeiro ponto de virada do longa. Afinal, para se tornar um indivíduo livre mental e fisicamente, é preciso tomar algumas atitudes que, mesmo não sendo nada fáceis, podem ser essenciais para evoluir. Maria e João traz questionamentos sobre o papel da mulher na sociedade e os contrastes existentes em irmãos que se amam (uma se conecta com árvores e outro que comemora a queda delas com o machado) no formato de fábula, narrada em primeira pessoa e com uma identidade visual primorosa para acompanhar.