
Little Joe
Alice, a single mother, is a dedicated senior plant breeder at a corporation engaged in developing new species. Against company policy, she takes one home as a gift for her teenage son and names it after him but soon starts fearing it.
Como foi criado o mundo: por uma intervenção divina ou através do Big Bang? Para os cientistas, a resposta é clara. Diante de ambas as teorias, eles se questionam sobre aquela que fornece a resposta mais plausível. Uma entidade sobrenatural teria implementado o mundo espontaneamente, a partir do nada, ou mutações e transformações químicas e físicas (ambas passíveis de comprovação e simulações) teriam dado origem ao fenômeno que gerou o planeta? Adota-se portanto a tese do Big Bang, a que melhor explica a circunstância de acordo com o conhecimento disponível.
Esta reflexão sobre o raciocínio lógico-científico poderia ser aplicada a Little Joe, estranha fábula a respeito de nossas incertezas. Um grupo de cientistas cria uma nova espécie de planta em laboratório, com a particularidade de secretar substâncias que despertam um sentimento de felicidade. Em outras palavras, uma flor que torna seus donos alegres. “Vai ser um sucesso de vendas”, apostam. Até o momento em que suspeitam que a nova criação esteja causando algumas transformações nas pessoas que as cheiram. Os leves câmbios de humor e atitude poderiam ser explicados por outras teses: é comum que os garotos adolescentes se transformem devido aos hormônios, é normal que uma mulher depressiva demonstre comportamento diferente durante uma crise. Assim, na ausência de provas sobre o caráter nocivo de Little Joe, a tese mais plausível é aquela das mudanças naturais.
O filme se constrói sobre um convite à paranoia. Alice (Emily Beecham), a protagonista e criadora da planta, é a primeira a recusar a hipótese de danos colaterais. “Eu sei que não é verdade”, ela retruca, recorrendo ironicamente à fé ao invés dos testes clínicos. No entanto, devido às curiosas coincidências que se acumulam ao seu redor, passa a abraçar a suspeita de algum erro na manipulação genética. Ora, as pessoas ao redor estão cada vez mais certas de que Little Joe é inofensivo. Todos estão felizes. Mas não seria este um efeito colateral da nova criação? Eles não estariam cegos ao perigo? O roteiro toma a precaução de desenvolver diversos casos que podem ser explicados tanto por Little Joe quanto pela ciência e pela psicologia. O espectador se encontra ou diante de um momento de paz, ou então de uma ficção científica sobre um agente poderoso e perverso.
Partindo da premissa improvável, a diretora Jessica Hausner poderia criar algo um tanto ridículo, na verve de A Pequena Loja dos Horrores ou tantas ficções científicas sobre cobaias mortais. Felizmente, o filme é inteiramente construído sobre um impecável equilíbrio de tons. O ambiente do laboratório, com sua elegante estufa industrial, oferece múltiplas possibilidades estéticas que a cineasta aproveita muito bem. A ideia de controle e ordem é sugerida pelos planos simétricos, pelas curiosas cores pasteis dos muros e jalecos, impecavelmente limpos e dispostos nos enquadramentos. Por outro lado, uma constante trilha sonora de sopro sugere um elemento selvagem, como uma selva natural que ameaça os personagens. A ideia da revolta da natureza contra os humanos é inteiramente construída via luz, enquadramentos e cores, o que resulta num potente senso de ambientação.
Ao mesmo tempo, os atores entregam um desempenho desafetado ao limite do cômico, o que valoriza a estranheza e a possibilidade de que tudo não passe, afinal, de um mal-entendido. Existem elementos suficientes para crer na ilusão (afinal, os exames com Little Joe não demonstram qualquer tipo de alteração nociva) e também para crer na ideia de uma manipulação tão sofisticada que não gera provas aparentes (vide o comportamento de Chris, interpretado por Ben Whishaw). Ora, na ausência de provas, não há crime, certo? É curioso que este ensaio sobre a lucidez seja aplicado a cientistas céticos e pragmáticos. Quando Alice se torna a única a suspeitar da planta, diante da incredulidade geral, ela se transforma na pessoa louca entre os saudáveis. Mas e se todos estiverem loucos, e ela for a única sã? Se a loucura contamina a todos, ela não se transforma na nova norma social? E qual seria o problema, afinal, se as pessoas estão de fato mais felizes após o contato com a planta?
Little Joe trabalha com uma quantidade formidável de questionamentos importantes a partir de sua simples fábula botânica. Jessica Hausner discute manipulação genética e manipulação humana, a fé contra a ciência, a paranoia contra os fatos. Ela questiona nossa percepção da realidade em tempos de incerteza, de falsidade, de fake news e, acima de tudo, analisa o poder de sugestão do cinema. Se fossem retiradas as cores, a música agressiva, os elegantes deslizamentos da câmera e zooms perturbadores; se as atuações optassem pelo naturalismo, nossa percepção da planta seria diferente? O cinema não deixa de constituir, por si só, uma forma de manipulação, assim como a planta. Alice torna-se alter-ego de Hausner, ambas “mães” de criaturas que podem ser interpretadas como boas ou ruins, agradáveis ou nocivas, de acordo com os olhos de quem as vê.