
Doentes de Amor
O comediante paquistanês Kumail e a estudante de graduação Emily se apaixonam, mas encontram dificuldades quando suas culturas entram em conflito. Além disso, quando Emily contrai uma doença misteriosa, Kumail deve resolver a crise com seus pais causada pelo conflito emocional entre sua família e seu coração.
Kumail Nanjiani é um dos protagonistas de Silicon Valley e acumula participações em inúmeros filmes e séries. Você provavelmente já o viu em alguma coisa, só não lembra qual. Isso deve mudar a partir de Doentes de Amor, comédia dramática estrelada e roteirizada por ele – em trabalho a quatro mãos com a esposa Emily V. Gordon. Baseado na história de amor do casal, o filme dirigido por Michael Showalter (Doris, Redescobrindo o Amor) acompanha os conflitos de Kumail consigo mesmo e sua família muçulmana estabelecida nos Estados Unidos. Nascido no Paquistão, ele quer ser comediante, só finge que reza e namora secretamente uma mulher branca, algo inaceitável para seus pais tradicionalistas.
Sem apresentar nada propriamente novo (por exemplo um protagonista estrangeiro que não despreza a religião conservadora de suas origens), mas muito competente no equilíbrio de comédia, romance e drama, o longa-metragem encanta principalmente pela verdade que passa e pela apresentação sensível de complexos dilemas familiares. Relacionamentos de pais e filhos adultos no cinema norte-americano volta e meia giram em torno de alguma doença grave dos mais velhos e volta para casa dos herdeiros a contragosto, com a reconexão como moral da história. Aqui, no entanto, tanto Kumail quanto Emily (Zoe Kazan) são bastante próximos de seus genitores, o que abre espaço para a discussão de outros temas, como o quanto de suas vidas filhos compartilham com os pais e a divisão do amor e atenção entre eles e a pessoa amada, na transição do passado para o futuro, de certa forma.
Interpretando a si mesmo, Kumail é apresentado como um motorista de Uber que faz shows de stand-up sonhando com uma grande oportunidade no humor. Ao mesmo tempo em que recebe “currículos” de pretendentes paquistanesas em jantares familiares, ele inicia um relacionamento fofo com a estudante Emily, que não faz ideia da obrigação do namorado em ter um casamento arranjado. O diretor Showalter, showrunner e ator de Wet Hot American Summer, exibe neste primeiro ato toda sua habilidade para o humor, consolidando a trama como uma comédia romântica contemporânea em que brilha a espirituosidade de Emily, vivida de forma adoravelmente carismática por Kazan. Seu discurso feminista é natural como sua graça e a cena em que ela arma um escarcéu para esconder as necessidades fisiológicas do parceiro é dos melhores momentos do cinema cômico romântico. Que enorme diferença faz uma roteirista nos créditos.
Da água para o vinho, o segundo ato é um drama com hospital como principal cenário. Emily fica gravemente doente e Kumail passa a conviver com a culpa, as dúvidas profundas e os ex-sogros, Beth (Holly Hunter) e Terry (Ray Romano). Seu show muda, sua origem paquistanesa não rende piadas, mas brigas, e o humor é outro, meio involuntário, carregado pelo personagem sem jeito de Romano. Em dobradinha incrível com Hunter (que muitos até colocam exageradamente na corrida pelo Oscar de coadjuvante), seu personagem enriquece a história com questões próprias de um casamento de décadas, num contraponto significativo que deixa até bobo o relacionamento de Kumail e Emily retratado na primeira parte. O tom agridoce então domina e Doentes de Amor assim vai até o fim, bem-sucedido na prova de fogo do apagamento daquela que era a alma do começo. A substituição pelos mais velhos funciona ao propósito.
Comédia dramática romântica protagonizada por um comediante muito do sem graça – o núcleo dos humoristas é o ponto fraco do filme, mesmo com a hipocrisia reinante no meio sendo destacada –, Doentes de Amor tem elenco afiado e entrosado que enche de humanidade os personagens, pessoas reais e complexas. A família de Kumail lembra um pouco demais os pais de Dev (Aziz Ansari) em Master of None, assim como seu enfrentamento irônico ao estereótipo, mas com exceção disso o longa-metragem consegue trilhar um caminho não tão batido e transmitir certo frescor na corda bamba de gêneros, além de provar que adultos podem ter relacionamentos sadios com seus pais. Mesmo quando apaixonados.