
Breaking Bad: El Camino
Após sua dramática fuga do cativeiro, Jesse precisa se reconciliar com o passado para que consiga criar algum tipo de futuro. Escrito e dirigido pelo criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, e estrelado por Aaron Paul.
Esta crítica pode conter spoilers.
Vince Gilligan sabe como contar uma história. Em um cenário marcado por retomadas de séries e filmes de sucesso do passado, o anúncio de El Camino: A Breaking Bad Movie veio como surpresa para os fãs da obra original, porque o dono da grande mente por trás deste universo sempre nadou contra a corrente em defesa de contornos delimitados para sua aclamada trama. O prequel com a origem de Saul Goodman, Better Call Saul, foi o primeiro teste da capacidade de Gilligan de manter a consistência demonstrada anteriormente, e embora tenha gerado dúvidas em um primeiro momento, o talento do criador mais uma vez tomou conta da tela. Portanto, mesmo com uma compreensível resistência acerca do filme que se dispõe a dar uma continuação a um fim perfeito, é difícil não se perguntar o que se passa na mente consagrada de um realizador que raramente erra. Pois, aqui, Gilligan acerta novamente.
El Camino, batizado a partir do carro que acompanha o desenrolar do destino de Jesse Pinkman (Aaron Paul), exibe algumas características já conhecidas de Gilligan, principalmente no que diz respeito à linguagem. Para uma história relativamente simples, o diretor e roteirista adota aquilo que se tornou sua marca registrada: a bem-vinda complexidade na hora de pensar seus planos e quadros. Isso pode ser identificado já na cena inicial, quando o longa abre com uma paisagem nítida em contraste com a forma desfocada do protagonista, valorizando o mundo exterior tão cobiçado por um homem que passou seus últimos meses trancafiado em uma jaula. Ainda mais elegantes são as transições que Gilligan emprega em toda a trama. Inicialmente, da fuga acelerada de Pinkman para uma batida de carro na tela de videogame; mais à frente, o teto que se transforma em uma grade, ilustrando o estresse pós-traumático do personagem; em seguida, o plano detalhe no olho mágico, caracterizando a mudança de época; e nos momentos finais, quando Jesse se reencontra com Jane (Krysten Ritter) dentro do carro — note a sutileza com que o corte é feito em todas essas cenas.
Até mesmo o que poderia facilmente ser um clichê, como a clássica cena de chuveiro empregada frequentemente nos filmes para mostrar o estado de esgotamento de um personagem, aqui ganha mais profundidade. Ao inserir uma pistola inclinada com um formato similar à curvatura de Pinkman, sendo que os dois elementos estão em lados opostos do quadro, o diretor não apenas equilibra a cena esteticamente como revela a arma como uma extensão do próprio corpo do personagem. O fato de ele balançar o objeto para retirar o excesso de água, na cena seguinte, como se fosse um simples acessório, só confirma seu estado emocional e a dificuldade em se dissociar do adereço. É também extremamente revelador que o protagonista esteja constantemente “cercado” pelas diversas linhas empregadas na direção de arte, e o fato de que há um quadrado em evidência sempre que Jesse se sente encurralado não é mera coincidência. O caráter prisional se faz presente em todos os momentos para lembrar não apenas de onde Jesse veio, mas para alertar quanto ao possível destino do personagem caso ele fracasse em seus planos.
No que diz respeito à trama, Gilligan conduz uma espécie de coming-of-age (chegada à maturidade) de Jesse Pinkman. Na série, o personagem, embora tivesse um arco bem desenvolvido, muitas vezes servia como obstáculo para os planos mega elaborados de Walter White (Bryan Cranston), a mente brilhante por trás do império da metanfetamina. Pinkman era o jovem inconsequente e emotivo que colocava tudo a perder, levando o parceiro ao delírio quando as consequências se apresentavam — e o público também. Sem contar com o antigo professor de química e figura paterna para resolver seus problemas, Jesse é elevado ao status de protagonista e ao mesmo tempo obrigado a bolar saídas inteligentes por conta própria para permanecer vivo. É interessante observar como El Camino aborda sua transformação em um homem mais inteligente e muito menos ingênuo, mas sem necessariamente eliminar a essência bondosa do personagem. Nas cenas em que ele quase é enganado por dois homens, no apartamento de Todd (Jesse Plemons), e a abordagem inicialmente pacífica no galpão de soldagem para conseguir 1800 dólares são provas de seu caráter.