
A Múmia
Nas profundezas do deserto, uma antiga rainha, cujo destino foi injustamente lhe tirado está mumificada. Apesar de sepultada em sua cripta, ela desperta nos dias atuais. Com uma maldade acumulada ao longo dos anos, ela espalha terror desde as areais do Oriente Médio até os becos de Londres.
O cinema mudou. Se desde a explosão de Star Wars, lá em 1977, Hollywood (e o mundo) se acostumaram cada vez mais com a existência de blockbusters e sequências, fato é que, nos últimos anos, os chamados filme-pipoca passaram por uma certa metamorfose. Em tempos onde ir ao cinema rivaliza com a internet, o trunfo que estúdios e exibidores passaram a adotar foi a chamada experiência na sala escura. Se a popularização do 3D – e seu uso questionável em diversas produções – foi o primeiro passo, a nova moda é oferecer situações imersivas, de forma que o espectador se sinta como se estivesse na pele do protagonista em apuros. Este é o grande atrativo do novo A Múmia, que nada tem a ver com as versões lançadas em 1932 (com Boris Karloff) ou 1999 (com Brendan Fraser).
Sob o aspecto técnico, o novo A Múmia impressiona em certos momentos. Em especial na cena do avião, quando o espectador é jogado dentro de uma turbulenta sequência em queda livre. Situações parecidas surgem em outros breves momentos, como na capotagem de um carro e na brincadeira envolvendo um ônibus. Entretanto, se a habilidade do diretor Alex Kurtzman com efeitos especiais serve para cumprir a cota de intensidade e diversão, necessária a todo e qualquer blockbuster, isto não esconde os vários problemas que o longa-metragem traz em relação ao roteiro.
A começar pelas motivações existentes em relação à personagem-tÃtulo. Pela primeira vez interpretada por uma mulher, a competente Sofia Boutella, a múmia em questão desperta nos dias atuais repleta de superpoderes para conquistar o mundo… através de um homem. É em busca de Set, o deus da morte, que Ahmanet está a todo instante, disposta a causar muito estrago apenas para invocá-lo no corpo do escolhido de forma a governar ao seu lado. Por mais que tal ato sirva como gancho para a presença de Tom Cruise no ainda nascente universo compartilhado envolvendo os monstros da Universal, por outro lado é uma demonstração escancarada do modo preconceituoso como Hollywood muitas vezes retrata as mulheres, apresentadas (mais uma vez) de forma a gravitar em torno de um personagem masculino. É o que acontece tanto com Boutella quanto com Annabelle Wallis, por mais que sua personagem tenha uma motivação (um pouco) mais consistente para tanto.
Outro ponto que chama a atenção é o quanto o roteiro é simplório. Amparado em seguidas cenas de ação e no carisma de Tom Cruise, o filme pouco desenvolve a história principal de forma a abrir espaço para a implementação do tal universo compartilhado. Muito do que é visto em cena foi feito não de forma a atender à s necessidades desta aventura, mas de olho no que ainda será produzido devido à exigência em estabelecer certos alicerces – ecos de uma franquia que não surge de forma orgânica, mas como parte de um ambicioso planejamento pré-estabelecido. Ainda assim, A Múmia entrega questões interessantes envolvendo a dualidade entre o bem e o mal, personificada com exatidão no dr. Jekyll de Russell Crowe, e sobre a curiosa questão do mal ser “curável” – algo que com certeza será mais detalhado nos próximos capÃtulos desta saga.
No mais, o novo A Múmia assume também de forma escancarada o perfil de aventura com elementos sobrenaturais, mais próxima aos filmes de Piratas do Caribe do que propriamente à s suas origens no gênero terror – o que não é demérito algum, é bom ressaltar. Longe do perfil Indiana Jones personificado por Brendan Fraser, desta vez a opção é em ressaltar uma certa dubiedade nos personagens principais de forma a ressaltar o lado sombrio neles existente, algo trabalhado desde a primeira aparição de Tom Cruise. Vale ressaltar também a clarÃssima influência dos (populares) zumbis na caracterização visual do exército formado por Ahmanet.
Divertido pelo caráter imersivo de certas sequências e pela qualidade de seus aspectos técnicos, em especial efeitos especiais e maquiagem, A Múmia de certa forma tem seus maiores pecados graças ao peso nele imposto em ter que iniciar uma franquia tão grandiosa, que envolva personagens tão desconexos. A necessidade em criar uma teia que possa unÃ-los no futuro prejudica o presente, impossibilitando um melhor desenvolvimento nesta clássica história de origem. Ainda assim, é um blockbuster competente no que se refere à s cenas de ação – e apenas nisto.